Recentemente, o Estadão lançou uma matéria sobre a pesquisa do
GEDS (Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade), da Faculdade de Direito da USP, que revelou que transexuais têm, em média, o dobro da dificuldade de não
transexuais para mudar de nome na Justiça.
Isso se deve às exigências exageradas de juízes que, por ignorância ou preconceito, acham que no dia seguinte as interessadas mudarão de ideia e deixarão de ser transexuais ou mesmo que elas poderiam agir de má-fé. Tais exigências, no entanto, não têm base legal, pois a
Lei de Registros Públicos apenas exige que se comprove que o nome a ser substituído expõe a pessoa a constrangimento (art. 55, par. único) ou que há outro nome pelo qual a pessoa é conhecida socialmente (art. 58), aquilo que chamamos de apelido público notório.
Em países como a Argentina, a
mudança de nome de transexuais se dá de forma administrativa. Basta visitar um cartório e declarar seu interesse em mudar de nome, sem a necessidade de autorização judicial ou médica.
Enquanto essa realidade não chega ao Brasil, temos que trabalhar com o que temos. E qual é o cenário atual? Neste artigo, pretendo informar o leitor sobre os
documentos atualmente necessários para transexuais entrarem na Justiça com o objetivo de pleitear a mudança de nome no registro civil. A importância ou não de cada documento será devidamente indicada.
Quem pretende mudar o nome precisa de documento de identidade: pode ser o RG com CPF, a Carteira Nacional de Habilitação ou mesmo a Carteira de trabalho. Esse é um documento indispensável.
O ou os documentos que deseja ver alterados. Assim, se a pessoa não tiver filhos, nem se casado, basta apresentar a
certidão de nascimento atualizada. Caso tenha tido filhos ou se casado, tais certidões também são necessárias. Se a certidão não for atualizada, pode não ser aceita pelo juiz.
Eventuais laudos médicos, se tiver. Servem, para tanto, os laudos feitos por médico endocrinologista (que administra os hormônios), psicólogo e psiquiátrico. Quem ainda não tem esses laudos e não quer correr riscos, pode obtê-los pelo SUS, mas isso só ocorre após um rigoroso acompanhamento médico de, no mínimo, dois anos e que hoje envolve uma longa fila de espera. O acompanhamento médico, pelo SUS, ocorre no
ASITT - Ambulatório de Saúde Integral de Travestis e Transexuais, na rua Santa Cruz 81, ou no
ProSex, o programa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Caso a pessoa não tenha laudos e não queira esperar o tempo do tratamento, é possível entrar com o processo sem e sugerir medidas alternativas, como audiência para ouvir testemunhas, a interessada ou mesmo perícia médica pelo IMESC.
Declarações de testemunhas que atestem o fato de que a pessoa não é conhecida pelo nome de batismo, mas pelo nome social. Essas declarações podem dar detalhes sobre situações passadas pela interessada e testemunhadas pela subscrevente. Além disso, deve ter firma reconhecida.
Documentos que a pessoa já tem com seu nome social. São exemplos disso a carteira do SUS ou o bilhete único aqui em São Paulo. Prints de perfis nas redes sociais, como Facebook e Instagram também cumprem esse papel.
Fotos suas em contextos sociais que demonstrem que a apresentação externa da pessoa condiz com o nome que pretende adotar. Isso não significa que uma mulher transexual deva ser absoluta e completamente feminilizada, estereotipada ou qualquer coisa do tipo. Afinal, existem mulheres com atributos tipicamente considerados de homens, e mulheres com atributos tipicamente tidos como femininos.
Outras certidões costumam ser exigidas, tais como do distribuidor cível, criminal, da justiça federal, da Receita Federal e dos cartórios de protestos de títulos. As quatro primeira podem ser obtidas pela internet. Basta procurar no Google pra localiza-las. Já a última pode ser obtida indo até o Serviço Central de Protestos, que fica na rua XV de Novembro 175, pertinho do metrô Sé e São Bento. Como essas certidões vencem após 30 dias, o ideal é deixa-las para o final e só obtê-las quando já for entrar com a ação.
Com isso, só falta procurar um advogado. Quem tem renda familiar de até 3 salários mínimos, pode ir até a Defensoria Pública. Basta ligar no 0800 773 43 40 e agendar sua triagem. Em caso de dúvidas, independente da renda, o Centro de Cidadania LGBT Arouche, da Prefeitura de São Paulo, fica na rua do Arouche 23 (próximo ao metrô República), e dispõe de advogados aptos a tirar suas dúvidas das 9 às 21h.
Thales Coimbra é advogado especialista em direito LGBT (OAB/SP 346.804); graduou-se na Faculdade de Direito da USP, onde cursa hoje mestrado na área de filosofia do direito sobre discurso de ódio homofóbico; também fundou e atualmente coordena o Geds - Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade da Faculdade de Direito da USP, que oferece assistência jurídica gratuita para travestis e transexuais de baixa renda na cidade de São Paulo; trabalha no Centro de Cidadania LGBT Arouche da Prefeitura de São Paulo; www.thalescoimbra.com.br
Fonte: A Capa