Crônica: A Confidente

Capítulo 14: A Confidente

Com o passar das semanas, a sala deixou de ser um espaço solitário. O som das chaves na porta muitas vezes era seguido de risadas, conversas e confidências. A colega, agora amiga, vinha com frequência — às vezes para um café rápido, outras vezes para tardes inteiras de cumplicidade.

Sentavam-se lado a lado, ela de saia ou vestido, a amiga de jeans e blusa leve, ambas partilhando segredos. O ambiente que antes parecia um esconderijo transformou-se em um refúgio compartilhado.

— Você não tem ideia de como fica bem desse jeito — dizia a amiga, enquanto observava a maquiagem sendo retocada diante do espelho. — Tem uma elegância natural que nem todas conseguem ter.

Ela sorria, meio sem acreditar. Durante anos, seu maior temor fora ser descoberta. Agora, estava ali, sendo elogiada de perto, como se sua feminilidade fosse algo legítimo, belo, natural.

Certa tarde, a amiga trouxe uma sacola.
— Passei numa loja e achei que tinha a sua cara.

Dentro, havia uma blusa delicada de tecido leve, em tom lilás. Ao experimentá-la, sentiu os olhos marejarem. Não era apenas uma peça de roupa. Era um gesto de aceitação, um selo de cumplicidade.

— Eu… eu não sei o que dizer. — balbuciou, olhando o reflexo.

— Não precisa dizer nada. Só continue sendo você. — respondeu a amiga, firme, com um sorriso caloroso.

Entre cafés e conversas, a confiança cresceu. Um dia, entre um gole e outro, a amiga arriscou:
— Já pensou em dar um passo além? Talvez sair daqui, caminhar comigo até uma livraria ou um café próximo, assim… do jeito que está?

O coração dela disparou. O medo voltou com força, mas, junto dele, um calor de expectativa. Até então, sua liberdade estava restrita às paredes da sala e às viagens ocasionais. Mas agora, com alguém ao lado, parecia possível ir mais longe.

A ideia ficou no ar como uma promessa. Talvez não fosse naquele dia, talvez nem naquela semana. Mas agora havia uma diferença: ela não estava mais sozinha para enfrentar o mundo.

Naquela noite, ao fechar a porta da sala, levou consigo uma certeza. Pela primeira vez, tinha alguém que não apenas sabia de sua verdade, mas também a incentivava a vivê-la.

E assim, a solidão que sempre a acompanhara começava a ceder espaço a uma nova palavra: cumplicidade.