Capítulo 99: O Reencontro

Capítulo 99: O Reencontro

O despertador tocou às cinco da manhã, mas Camila já estava acordada alguns minutos antes, com o coração acelerado. Era 24 de dezembro, e aquele seria um dos dias mais importantes da sua vida. Fez sua rotina com capricho: prendeu o cabelo no seu clássico rabo de cavalo, vestiu a minissaia jeans curta, a blusinha azul-marinho e o tênis branco feminino. Depois de conferir tudo pela terceira vez, respirou fundo e seguiu para a rodoviária. 

Capítulo 99: O Reencontro

A viagem, apesar de curta, pareceu longa. Camila ora olhava pela janela, ora imaginava como seria a reação dos pais. Passou batom neutro no reflexo do vidro, ajeitou os fios do cabelo que escaparam do elástico, e tentou manter-se confiante.

Quando o carro de aplicativo a deixou na porta de casa, o sol ainda nem tinha subido por completo. Ela ficou alguns segundos parada diante do portão. Tudo era igual e, ao mesmo tempo, completamente diferente. Apertou a campainha.

A mãe abriu a porta primeiro — e congelou.

Minha nossa… Camila! — exclamou, com a mão cobrindo a boca.

Os olhos da mãe brilharam imediatamente, cheios de emoção e orgulho. Ela a puxou para um abraço apertado, quase esmagador.

Como você está linda, minha filha. Linda!

O pai apareceu logo atrás, meio sonolento, ainda ajustando os óculos. Quando viu Camila, ficou completamente imóvel por alguns segundos. Um silêncio leve, mas perceptível, se instalou. Ele finalmente forçou um sorriso acolhedor.

Oi, Camila… bem-vinda. — disse, com cordialidade, mas a voz um pouco trêmula.

Camila também sorriu, mas sentiu a distância. Algo no olhar dele dizia que ainda havia uma barreira ali, fina, mas presente. 

Depois de conversarem um pouco, decidiram sair para almoçar cedo. No carro, a mãe continuava cheia de entusiasmo, perguntando sobre o Studio, sobre o vestido de Natal, sobre Rafael. O pai dirigia em silêncio, mexendo nos botões do painel mais do que o necessário.

No restaurante, entre talheres e conversas baixas, Camila percebeu a inquietação dele. O pai parecia desconfortável com os olhares das outras pessoas — alguns curiosos, outros indiferentes — mas, de qualquer forma, inquieto demais para fingir naturalidade.

Camila respirou fundo. Não queria que aquilo a atingisse, mas atingia.

Voltar para casa depois do almoço trouxe um alívio discreto.

A tarde seguiu entre risadas e cheiros de temperos. Camila ajudou a mãe a montar os arranjos, lavar as folhas, separar as sobremesas, arrumar a mesa da ceia. A cada movimento, sentia-se mais e mais conectada com sua feminilidade. Era um momento que ela sempre imaginou viver, mas nunca acreditou que seria tão natural, tão dela.

O pai, por outro lado, permanecia mais distante. Acompanhava tudo em silêncio, às vezes sentado na sala, às vezes encostado à bancada. Observava a filha mexendo nas panelas, ajeitando o cabelo atrás da orelha, falando com delicadeza, rindo de um jeito que iluminava a casa. E algo dentro dele começou, pouco a pouco, a se transformar.

Ele percebeu que o receio que carregava era apenas medo do desconhecido… e que aquele medo estava ofuscando algo maior: o amor pela filha.

E isso o incomodou profundamente. 

Perto das sete da noite, Camila subiu para o banho. Queria se arrumar com calma. Vestiu-se com carinho: o vestido branco delicado, a sandália de salto alto prateada, a maquiagem leve que destacava seus olhos e o penteado simples com uma fita que deixava tudo ainda mais feminino.

Ajeitou-se no espelho uma última vez antes de descer as escadas.

A mãe, ao vê-la, levou a mão ao peito.

— Camila… você está deslumbrante!


Mas foi o olhar do pai que a marcou. Ele ficou sem voz. De repente, todos os sentimentos que guardou o dia inteiro pareceram ruir. Ele caminhou até ela devagar, com os olhos marejados.

Camila… — sussurrou. — Eu… eu te amo tanto, minha menina.

A voz falhou. Ele a abraçou com firmeza, emocionado.

Me desculpa se eu não consegui agir direito hoje. Você está linda. Linda demais. E eu sempre vou te amar. Sempre.

Camila sentiu as pernas quase falharem. Abraçou o pai de volta, e os dois ficaram assim por um bom tempo, em silêncio, apenas sentindo aquele reencontro verdadeiro. 

A ceia foi leve, feliz, repleta de conversas, risadas e olhares de ternura. A mãe estava radiante, o pai mais solto, mais tranquilo, mais ele mesmo.

Depois da sobremesa, Camila entregou os presentes que havia comprado. Os pais adoraram cada detalhe. A mãe abriu o dela com um sorriso largo, e o pai ficou encantado com a delicadeza do presente que recebeu.

Agora é minha vez. — disse ele, levantando-se e indo até o quarto.

Voltando com uma caixa rosa cuidadosamente embrulhada, entregou-a para Camila. Ela abriu devagar e encontrou um lindo vestido rosa, suave e feminino, perfeito.

Compramos no dia em que você contou sobre sua transição, — disse o pai. — Eu… eu queria te dar algo que representasse quem você é. Estou muito orgulhoso de você, minha filha.

Camila levou a mão à boca, emocionada.

— Pai… esse vestido é perfeito. Vou usá-lo no Ano Novo. É perfeito!

A mãe sorriu, enxugando discretamente uma lágrima.

Aquela noite se encerrou com abraços, carinho e paz. No quarto, antes de dormir, Camila segurou o vestido rosa contra o peito. A aceitação, o amor e a vitória daquele dia eram maiores do que qualquer receio que ela carregou até ali.

“Foi perfeito”, pensou. “Absolutamente perfeito.”

E adormeceu com o coração leve, cheio de esperança — com a certeza de que, dali em diante, tudo seria ainda melhor. 

Continua... Aguarde o capítulo 100. 

Confira os capítulos anteriores em: Crônicas Anna Crossdresser

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