Capítulo 84: Medos de uma Crossdresser

Capítulo 84: Medos de uma Crossdresser

A noite estava fresca quando Camila desceu do ônibus e caminhou até o prédio onde Anna e Roberta moravam. Ela havia mandado uma mensagem curta horas antes — “Posso passar aí? Preciso conversar…” — e Anna respondeu quase imediatamente:
“Claro. Vem. A porta vai estar destrancada.” 

Capítulo 84: Medos de uma Crossdresser

Camila subiu os dois lances de escada com o coração apertado, sentindo uma mistura de ansiedade e necessidade de desabafar. Quando bateu suavemente à porta, ouviu passos apressados e, em seguida, Anna apareceu com seu sorriso acolhedor.

— Entra, amiga. — Ela abriu os braços.

Camila abraçou Anna com firmeza, como quem busca abrigo. Roberta estava na cozinha separando três xícaras de chá de camomila — o ritual da casa para conversas sérias.

— Oi, querida — Roberta disse com seu tom doce. — Vem, senta aqui com a gente.

Camila se acomodou no sofá, ajeitando o vestido simples que usava. Os cabelos caíam sobre os ombros, mas ela parecia inquieta, como se fosse explodir por dentro.

Anna percebeu.

— Tá acontecendo alguma coisa com o Rafael?

A pergunta foi direta, mas carinhosa. Camila respirou fundo e encolheu os ombros.

Não é com ele… é comigo.

Roberta sentou ao lado dela, entregando a xícara quente.

— Fala, Camila. Aqui você pode ser sincera.

Camila levou a xícara aos lábios, sem beber. Os olhos começaram a marejar.

— Eu tô com medo.

Anna se aproximou mais.

— Medo de quê, amiga?

Camila finalmente deixou escapar:

— De me entregar pra ele… sabe, na cama.

As duas se entreolharam com preocupação, mas com calma.

— Ele tá te pressionando? — Roberta perguntou, cuidadosa.

— Não, não! — Camila balançou a cabeça rapidamente. — Ele nunca faria isso. O Rafael é… gentil demais. Atencioso. Carinhoso. O problema não é ele. Sou eu.

Anna pousou a mão na dela.

— Então explica. A gente tá aqui.

Camila inspirou, quase em soluço.

— Eu tenho vergonha. — Ela olhou para baixo. — Vergonha de ser… um menino. De ter um corpo que não corresponde ao que eu sinto… ao que eu quero que ele veja em mim. Eu fico imaginando o dia que ele… quiser algo mais sério… íntimo… — A voz falhou. — E eu tenho medo de ver decepção nos olhos dele. Medo dele perceber que eu não sou a mulher que ele merece.

Roberta apertou suavemente sua mão.

— Camila… você é mulher.

Camila fechou os olhos, respirando fundo, como se a frase a tocasse profundamente.

Anna continuou:

— E Rafael sabe quem você é. Ele viu você de perto. Ele ouviu sua história. Ele pediu pra te namorar sabendo exatamente quem você é. Ele não está iludido.

Camila limpou discretamente uma lágrima.

— Mas e se… quando chegar a hora… ele olhar pra mim e perceber… o meu corpo… e achar feio? Ou estranho? Eu fico apavorada de estragar tudo. De perder ele. Eu gosto muito dele… e isso me deixa com medo.

Roberta sorriu com ternura, inclinando-se um pouco mais.

— O medo aparece quando algo importa de verdade. Ter medo de perder alguém significa que ele te faz bem. E isso não é errado. Mas, Camila… ninguém se apaixona só por um corpo.

Anna concordou com um aceno firme.

— Ele se apaixonou por você. Pelo jeito que você fala, pelo jeito que você vê o mundo. Pela sua doçura. Pela sua coragem. Pelo seu sorriso tímido. — Anna fez carinho na mão dela. — E o resto… o resto vocês vão descobrir juntos, no tempo de vocês. Não precisa se apressar.

Camila respirou fundo, como se finalmente pudesse soltar um peso que carregava sozinha.

— Eu tenho medo dele mudar de ideia — ela confessou baixinho.

Roberta sorriu com ternura.

— Meu amor… se ele fosse alguém capaz de mudar de ideia apenas por causa do seu corpo, ele não teria ficado. Ele não teria voltado no parque. Não teria te procurado. Não teria te beijado. Muito menos te pedido em namoro.

Anna completou:

— E olha só… se um dia esse medo aparecer de novo, lembra que você tem a gente. Você não está navegando isso sozinha. Nós estamos com você em cada passo.

Camila sorriu, emocionada, e deixou uma lágrima escorrer de forma tranquila — pela primeira vez, não de medo, mas de alívio.

— Obrigada… — ela sussurrou. — Vocês são minha base.

Roberta abraçou Camila pelos ombros.

— E Rafael… ele vai te amar exatamente do jeitinho que você é. Só confia no tempo de vocês.

Camila finalmente bebeu um gole do chá. O sabor suave de camomila parecia acalmar a alma.

E ali, no aconchego do apartamento das duas mulheres que haviam se tornado quase sua família, Camila entendeu que medo também faz parte do florescer — mas não precisa ser vivido sozinha. 

Continua... Aguarde o capítulo 85. 

Confira os capítulos anteriores em: Crônicas Anna Crossdresser

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