Capítulo 79: A Semana Após o Domingo
A semana seguinte após o domingo com Rafael parecia envolta por uma luz diferente — como se cada manhã chegasse com um brilho que Camila ainda não sabia nomear. Era felicidade, talvez. Ou medo. Ou aquela mistura impossível de separar que acontece quando algo importante começa a nascer dentro da gente.
Na segunda-feira, ao abrir a porta do Studio Florescer Crossdresser, a campainha metálica tocou de um jeito familiar, mas ela parecia escutar tudo como se fosse a primeira vez: o aroma doce do café, o murmurinho suave das conversas, o toque leve das xícaras nas mesas.
Tudo estava igual, e ainda assim, tudo parecia outro.
Ah, aquele beijo. O jeito que ele segurou o rosto dela, não com pressa, mas com certeza. — Só lembrar disso fazia seu estômago dar um nó quente.
Entre um cappuccino e outro, entre atender clientes e arrumar as prateleiras com Anna, os pensamentos de Camila voltavam para o mesmo ponto.
Ele realmente gostou de mim.
E eu… eu gostei também.
Mais do que deveria?
Ou exatamente o quanto precisava?
Mas junto da felicidade vinha um medo que ela não conseguia ignorar.
O medo de ser vista como veio ao mundo.
De ser tocada.
De ser amada — verdadeiramente, sem máscaras.
De ser rejeitada no momento que Rafael a visse seu corpo real.
Será que ele vai continuar me querendo quando me conhecer por inteiro?
E se tudo não passar de um encanto passageiro?
Ela respirava fundo, tentava se concentrar no trabalho… mas era inútil.
Seu coração tinha decidido lembrar o beijo dela vinte vezes por dia.
Camila mergulhou em reflexões íntimas.
Mais do que isso, a semana trouxe dúvidas que ela vinha adiando há meses — dúvidas que surgiam cada vez que ela se olhava no espelho do banheiro do Studio, com o avental preto e o cabelo preso de forma descuidada.
Eu sou apenas uma crossdresser?
Ou sou algo mais?
Porque a forma como ela se sentia… não era apenas sobre roupas, maquiagem ou feminilidade expressada. Era sobre existir. Sobre respirar.
Ela não se sentia “interpretando” nada.
Ela se sentia ela.
Uma mulher.
Em cada gesto.
Em cada pensamento.
Em cada dobra de quem se tornou.
E talvez fosse isso que mais a assustava.
Anna percebeu antes mesmo de Camila dizer qualquer coisa — talvez porque amigas assim enxergam melhor do que espelhos.
Numa tarde tranquila, entre a limpeza das mesas e o cheiro de bolo saindo do forno, Anna cruzou os braços e lançou aquele olhar que derretia qualquer defesa.
— Você está diferente — disse, suave. — E não estou falando do blush.
Camila abriu a boca para negar, mas Anna levantou uma sobrancelha.
— É sobre ele, né?
Camila corou na hora.
— Anna… é que… foi tudo tão… — ela buscou a palavra certa — intenso.
Anna sorriu, um sorriso de quem já viveu amores que deixam cicatriz.
— E bonito. Eu vi, Cami. Você voltou flutuando naquele dia.
Camila respirou fundo.
— Mas eu tenho medo…
— Medo faz parte — Anna respondeu, pousando a mão sobre a dela. — O importante é você não fugir do que sente.
E naquele toque havia um conforto que só amigas de alma sabem oferecer.
À noite, em casa, Camila ligou para Anna para conversar novamente — porque ela sempre soube ouvir sem julgar.
— Eu acho… eu acho que estou me envolvendo — confessou, a voz quase um sussurro. — E estou feliz… mas também estou confusa. Sobre mim mesma.
Anna demorou apenas alguns segundos para responder:
— Camila, você não precisa se encaixar em uma palavra agora. Mas a forma como você vive, como se expressa, como se vê… isso diz muito mais do que qualquer rótulo.
Camila silenciou, sentindo algo dentro dela se rearrumar.
— Você se sente uma verdadeira mulher? — Anna perguntou, mas sem pressa, sem peso.
— Sim… — respondeu, e naquele “sim” havia verdade. — Acho que sempre me senti, desde muito nova.
— Então comece por isso. O resto, você descobre no caminho.
Após desligar, Camila percebe que está realmente envolvida.
A semana avançou e, a cada dia, as mensagens de Rafael chegavam com mais carinho, mais cuidado, mais presença.
“Bom dia, Camila.”
“Pensei em você.”
“Sua semana está sendo boa?”
Pequenas frases.
Mas eram elas que aqueciam suas manhãs e acalmavam suas noites.
No fim da semana, deitada na cama, o celular iluminando o quarto escuro, ela leu uma última mensagem dele:
“Estou com saudade.”
Camila apertou o aparelho contra o peito e sorriu sozinha.
Sim.
Ela estava envolvida.
De verdade.
Profundamente.
E, pela primeira vez, em vez de fugir do sentimento, decidiu deixar que ele a alcançasse.
O medo ainda estava ali, mas a felicidade…
A felicidade estava vencendo.
Continua... Aguarde o capítulo 80.
Confira os capítulos anteriores em: Crônicas Anna Crossdresser
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