Capítulo 64: Ecos do Passado de Camila
A noite caía silenciosa quando Camila chegou em seu pequeno apartamento.
O evento “Histórias do Florescer” ainda ecoava dentro dela — cada palavra, cada olhar, cada aplauso parecia pulsar em seu peito como um lembrete de tudo o que havia vivido.
Deixou a bolsa sobre a cadeira e foi direto para o banheiro.
Ligou o chuveiro e deixou que a água morna escorresse pelos ombros, como se quisesse lavar não apenas o cansaço do dia, mas também os anos de medo e silêncio que carregara.
Enquanto a água caía, o rosto de Camila alternava entre um leve sorriso e uma expressão distante, mergulhada em lembranças que o tempo não havia apagado.
Depois do banho, vestiu o babydoll novo — delicado, de tecido leve e confortável — e se deitou na cama ainda quente, com o abajur aceso lançando uma luz suave pelo quarto.
Ficou olhando para o teto por alguns minutos, até que os pensamentos começaram a voltar, um a um, como se o passado quisesse ser ouvido mais uma vez.
Lembrou-se da cidade onde cresceu.
Das ruas estreitas, das pessoas que se cumprimentavam todas as manhãs e das janelas que pareciam sempre abertas, observando tudo.
Ali, ser diferente era quase um pecado — e Camila aprendeu cedo a esconder o que sentia.
Recordou-se das noites silenciosas, quando o coração batia rápido apenas por imaginar-se como mulher.
Não era vaidade, nem curiosidade: era um chamado, uma necessidade profunda de existir do jeito certo, do jeito que fazia sentido para ela.
Mas cada vez que o espelho refletia apenas a imagem que o mundo esperava ver, sentia-se mais distante de si mesma.
Em um certo dia, que ficou marcado em sua memória, em uma festa de aniversário na casa de sua prima, Camila foi tomada por um pensamento que surgiu de repente.
A casa estava cheia; os convidados estavam no quintal celebrando o aniversário de sua prima.
Camila, com o coração acelerado, entrou no quarto da prima — o mesmo quarto que tantas vezes observou com curiosidade e desejo de ser parte dele.
Abriu a gaveta da cômoda com mãos trêmulas. O perfume leve da prima escapou, enchendo o ar com uma mistura de culpa e encantamento.
Ali, entre tecidos coloridos, escolheu duas peças delicadas — era a gaveta de calcinhas, simples, mas para ela, preciosas.
Dobrou-as com cuidado e, com o coração disparado, as escondeu dentro da calça antes de sair do quarto.
Naquele instante, sentiu medo, vergonha, mas também algo novo: uma centelha de liberdade.
Não era orgulho — era sobrevivência.
Naquela cidade, ela não podia entrar em uma loja e escolher o que amava. Não podia conversar com ninguém sobre o que sentia.
Aquelas duas calcinhas eram tudo o que tinha, o único símbolo físico da mulher que existia dentro dela.
Por muitas noites, guardou-as escondidas em uma gaveta, como quem guarda um segredo sagrado.
E de vez em quando, quando a solidão se tornava insuportável, vestia uma delas em silêncio, apenas para se olhar no espelho e reconhecer a si mesma, ainda que por alguns minutos.
Agora, deitada em sua cama, vestindo aquele babydoll preto e uma calcinha delicada, com a luz do abajur acariciando seu rosto, Camila sorriu suavemente.
Pensou no quanto havia caminhado desde então — no quanto havia mudado.
Não precisava mais esconder quem era.
Podia abrir o guarda-roupa e escolher o que quisesse vestir, podia caminhar na rua como mulher, ser chamada pelo nome que a representava.
O Studio havia lhe dado mais do que um emprego — havia lhe devolvido a coragem, o pertencimento e a paz de simplesmente ser.
Camila fechou os olhos e respirou fundo.
No silêncio do quarto, sentiu uma lágrima escorrer de leve pelo canto do rosto, mas dessa vez, não era tristeza.
Era gratidão.
Antes de adormecer, pensou consigo mesma:
— Eu não preciso mais me esconder. Nunca mais.
Lá fora, a cidade dormia.
Mas dentro dela, o coração de Camila finalmente estava desperto — sereno, livre e em paz. 🌸
Continua... Aguarde o capítulo 65.
Confira os capítulos anteriores em: Crônicas Anna Crossdresser
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