Capítulo 63: Histórias do Florescer — Camila

Capítulo 63: Histórias do Florescer — Camila

O sábado amanheceu com uma luz diferente, quase simbólica.
No Studio Florescer Crossdresser, o aroma do café recém-passado se misturava ao perfume das flores que decoravam cada mesa. Anna e sua amiga haviam preparado o ambiente com um carinho especial: pequenas velas, cadeiras em círculo e o microfone do pequeno palco já posicionado. 

Capítulo 63: Histórias do Florescer — Camila Crossdresser

Era o dia da primeira edição do evento “Histórias do Florescer”.
Um momento para que cada uma pudesse compartilhar seu caminho, suas descobertas e as feridas que, com o tempo, haviam se transformado em força.

Camila chegou cedo, com o coração acelerado e um brilho novo no olhar. Vestia um vestido lilás simples, mas gracioso, e os cabelos presos num meio-coque delicado.
Ajeitou discretamente as cadeiras, ajudou a organizar as xícaras e, por um instante, se pegou sorrindo — um sorriso sereno, de quem nunca imaginou estar ali, mas agora pertencia àquele lugar.

Pouco a pouco, as visitantes começaram a chegar.
Algumas eram frequentadoras antigas, outras vinham pela primeira vez. Havia expectativa no ar, e uma sensação silenciosa de cumplicidade entre todas.

Anna abriu o evento com uma fala breve:
— Hoje é um dia de coragem. Um dia para que cada uma de nós se reconheça na história da outra.
Depois de um breve silêncio, ela olhou para Camila.
— E eu gostaria de começar com alguém muito especial. Camila, você quer contar a sua história?

O coração de Camila bateu mais forte.
Por um instante, pensou em recusar. Mas o olhar acolhedor de Anna e o sorriso tranquilo da amiga lhe deram força.

Subiu no pequeno palco. As mãos tremiam levemente, mas a voz, quando surgiu, era doce e verdadeira.

— Eu nasci e cresci em uma cidade pequena… daquelas em que todo mundo conhece todo mundo. — Ela respirou fundo. — Lá, não existe muito espaço para o diferente. E eu sempre soube que carregava algo que não cabia nas expectativas das pessoas ao meu redor.

Fez uma pausa, olhando para o chão.
— Desde muito nova, eu sentia um desejo enorme de me vestir como mulher. Não era algo que eu conseguia explicar — era simplesmente quem eu era. Mas eu tinha medo. Medo dos olhares, das palavras, da rejeição. Então, eu aprendi a esconder.

Algumas pessoas na plateia assentiram em silêncio, compreendendo.

— Durante anos — continuou —, eu guardei esse lado de mim em silêncio. Não podia ir a uma loja comprar roupas femininas, não podia conversar com ninguém sobre isso. Tudo o que eu tinha eram duas calcinhas que havia "roubado" da gaveta da minha prima e que escondia no fundo falso da gaveta… eram a única forma de me sentir um pouco mais próxima de quem eu realmente era.

A voz embargou. Anna observava com os olhos marejados.

— Era uma vida solitária — disse Camila. — Eu vivia com medo de ser descoberta, de decepcionar as pessoas, principalmente decepcionar os meus pais. Mas, ao mesmo tempo, havia uma esperança dentro de mim… uma vontade de um dia poder ser livre.

Ela olhou ao redor, respirou fundo e sorriu.
— Até que, pesquisando na internet, encontrei o Studio Florescer Crossdresser. Li aquelas palavras — “um espaço para florescer” — e senti como se alguém estivesse me chamando. Foi quando decidi sair da minha cidade e vir pra cá. Foi o passo mais difícil e, ao mesmo tempo, o mais bonito da minha vida.

O silêncio na cafeteria era absoluto.
Só se ouvia o som distante da máquina de café e alguns suspiros discretos.

— Quando cheguei aqui — disse ela, emocionada —, fui recebida com carinho, com respeito, com olhares que não me julgavam. Anna, sua amiga e todas vocês me mostraram que eu não precisava mais me esconder. Que ser quem eu sou é motivo de orgulho, não de vergonha.

Um pequeno aplauso surgiu espontaneamente. Camila sorriu, enxugando discretamente uma lágrima.

— Hoje, quando acordo e visto minhas roupas femininas, não sinto medo. Sinto paz. Sinto que cada gesto, cada detalhe, é uma maneira de dizer ao mundo: “eu existo, e mereço ser feliz assim”.

Ela finalizou com a voz firme, mas doce:
— O Studio Florescer não é apenas um lugar. É o espaço onde eu deixei de sobreviver e comecei a viver. E por isso, de coração, obrigada.

Anna foi a primeira a se levantar e abraçá-la.
Depois, uma a uma, as mulheres — e outras crossdressers — se aproximaram para agradecer e compartilhar suas próprias lágrimas, sorrisos e lembranças.

Aquele dia se transformou em algo maior do que um evento: foi um momento de cura.
De ver-se refletida na história da outra e entender que todas, de algum modo, estavam florescendo juntas.

Quando o sol já se punha e as luzes suaves do Studio se acendiam, Camila olhou para o letreiro do lado de fora.
O brilho da palavra Florescer parecia mais vivo do que nunca.
Ela sorriu, com o coração leve, e pensou:
— Agora, finalmente, eu floresci. 🌸 

Continua... Aguarde o capítulo 64. 

Confira os capítulos anteriores em: Crônicas Anna Crossdresser

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