Ela sempre sonhou com aquele momento. Passou anos dividindo seu tempo entre a vida cotidiana, discreta e marcada por roupas que nunca revelavam a mulher que vivia dentro dela, e os instantes roubados diante do espelho, quando a maquiagem transformava seu rosto e os vestidos davam forma ao seu verdadeiro reflexo.
Foi numa tarde de coragem que decidiu: iria alugar uma sala comercial. Não para receber clientes ou fazer grandes negócios, mas para criar um espaço só seu. Um território livre, onde pudesse trabalhar no computador, atender ligações e organizar seus projetos pessoais — mas, sobretudo, onde pudesse viver integralmente vestida como mulher.
No dia em que pegou a chave, suas mãos tremiam como quem abre a porta de uma nova vida. A sala era simples: paredes brancas, uma mesa, uma cadeira, uma janela larga por onde a luz da manhã entrava generosa. Mas, para ela, era como um palco — ou melhor, como um refúgio.
Naquela primeira manhã, chegou de salto baixo, saia lápis e blusa rendada. O som dos saltos contra o piso ecoava diferente, como se cada passo fosse um manifesto silencioso: eu existo, eu mereço estar aqui. Sentou-se à mesa, abriu o notebook e começou a trabalhar. Mas o trabalho era quase secundário — o essencial era a sensação de autenticidade, de finalmente poder ser quem é sem medo de olhares julgadores.
A cada dia, a sala se transformava mais em extensão de sua identidade. Colocou um espelho grande, trouxe vasos com flores artificiais, espalhou perfumes pela mesa. Ali, podia experimentar combinações de roupas, arrumar o cabelo com calma, refazer a maquiagem no meio da tarde sem pressa.
Era curioso perceber como até as tarefas simples — responder e-mails, revisar planilhas, escrever relatórios — ganhavam outro sabor quando feitas de batom vermelho e brincos delicados. Como se o ato de trabalhar, agora, viesse acompanhado da doçura de finalmente estar em paz consigo mesma.
Houve dias de insegurança, claro. O medo de alguém bater à porta, de ser descoberta, de ouvir comentários atravessados. Mas, pouco a pouco, aprendeu que a verdadeira liberdade não estava em se esconder, mas em ocupar o espaço.
E assim, entre cafés, saltos e suspiros, transformou aquela sala branca em algo muito maior: em um símbolo. O símbolo de que, quando uma crossdresser decide se permitir, não aluga apenas quatro paredes — ela conquista um pedaço inteiro de mundo para chamar de seu.
By Anna Crossdresser
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